BRASILIANA
- Gabriel Pessanha
- 29 de abr. de 2015
- 2 min de leitura

Foi no século passado, lá pelos anos 90. Conheci um homem magnífico cuja estatura intelectual contrastava com o porte físico. Miúdo, o professor Antonio Houaiss me impressionou com seu jeito tranquilo, especialmente pela maneira como se expressava. Um gigante com as palavras. Foi presidente da Academia Brasileira de Letras, escritor, tradutor e fez o dicionário que tantas vezes me socorreu. (Sim, sou antiga, do tempo do dicionário de papel...)
Inquieta, com 30 e poucos anos, deixei transbordar, já naquela época, minha preocupação e insatisfação com a falta de noção do brasileiro sobre nação. “Boa mistura de palavras”, ele disse − noção e nação... E sorriu.
Eu me queixava da maioria dos governantes e administradores públicos, em todas as instâncias e de diferentes partidos. Pessoas que só pensam no seu próprio bem-estar e remuneração – lícita ou ilícita – ou em conseguir votos.
Gente que destrói bons trabalhos ou iniciativas, feitos para a nação, se eles tiverem sido realizados por alguém de um partido que pareça oposição. Gente capaz de inventar uma obra que serve ao nada, a coisa nenhuma – ou até ao “coisa ruim” – se puder camuflar dizendo: “Foi feita para o povo brasileiro.”
Eu me lamuriava e o professor me olhava... quando parei de desfiar meu rosário de desesperança, ele disse: “Minha filha, o problema está no sufixo.”
Eu perdida, caçava na memória as aulas de português da Dona Mariazinha (foi ela, mãe da poeta Ana Cristina Cesar, que me despertou o gosto por alinhavar palavras).
Voltando ao professor... “Sufixo” ele disse. Mas não fazia sentido. Como explicar a falta de sentimento de nação através de um sufixo? Sim, eu lembrava: sufixo é o elemento usado na formação de palavras pelo processo de derivação, ou seja, é o final de uma palavra.
Diante da minha indisfarçável perplexidade – ou pura ignorância mesmo –, professor Houaiss me socorreu explicando: o sufixo de nação é “ano” ou “ês”. Vamos lá: americano, australiano, italiano, africano, mexicano... Ou francês, português, inglês, japonês... Cada vez mais atônita, só conseguia pensar por que raios não somos BRASILIANOS.
Mas ainda não me servia como explicação para a usurpação costumeira do bem do público. Aí o doce garimpeiro de palavras arrematou dizendo: “O sufixo ‘eiro’ é de profissão: padeiro, carpinteiro, jardineiro, pedreiro...”
Eu, boquiaberta, como você deve estar agora, imaginando quantas pessoas vieram para cá ser BRASILEIROS. Ganhar dinheiro com nossas terras, pedras, rios, florestas... Milhões ao longo de cinco séculos usando o Brasil como profissão em vez de trabalhar por ele, pelo nosso povo, pela nossa nação.
O raciocínio me deu um certo alívio. Estaria no sufixo a explicação (não a justificativa, veja bem) para os escândalos e denúncias de corrupção como Petrolão, Mensalão, Operação Sanguessuga, Anões do Orçamento e tantos outros? Será? Pelo sim ou pelo não, sufixo ou não, como respeito a energia das palavras, desde esse longínquo episódio, afirmo categoricamente: sou BRASILIANA, com muito orgulho.
(NEUBARTH, Leilane – revista o globo, 29 de Março de 2015)
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